quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Bem sei que não 'postei' muito...mas acabou-se em GRANDE! A pedido de muitas famílias: Aqui vai o discurso de encerramento desta experiência 'única'.


(...) Para mim, juntamente com os companheiros portugueses Paulo, Nuno e João, o país destino foi ... a Argélia, esse país do MAGHREB, um país islâmico que nos parece tão distante do nosso Portugal...
Distante apesar da distância física que nos separa ser mínima: Apenas 520 km em linha recta separam os extremos das fronteiras, o que equivale uma viagem daqui a Madrid; Entre capitais, Lisboa e Argel, somente 1100 km nos distanciam.
Ora o tema trata de Portugal na Argélia... Portugal cabe 25 vezes dentro da Argélia.


A Argélia é um país enorme... e com tanta coisa por descobrir que seria redutor dizer que estamos distantes quando estamos surpreendentemente tão próximos.
Dada esta ideia de grandeza de territórios, vou contar 3 episódios únicos, em que o nosso pequeno Portugal, ironicamente, surgiu na Argélia.
1 - Um primeiro, corriqueiro, de um dia-a-dia em Argel.

Eu estive a trabalhar com o Paulo na capital, para a 'PE' que foi contratada pelo estado argelino para a reformulação de uma espécie de Plano Director Municipal, portanto um regulamento do território da Metrópole. Já só pelo trabalho, muitas foram as deslocações pela cidade, de trânsito caótico e imprevisível. E para tal, muitas vezes se recorreu ao taxi.
Ao entrar num taxi em Argel, e os taxis mais normais em Argel são comunitários, ou seja, até encherem podem entrar clientes com destinos ou rotas diferentes; Ao entrar num desses taxis, bom Argelino que se preze, curioso de sua natureza, olha para nós e indaga automaticamente pela nossa nacionalidade:
- São Alemães?
Das primeiras vezes ainda nos espantávamos com o palpite, e absortos respondíamos: «não... não somos alemães...»
- «Franceses?» «Russos?» «Tunisinos?» , eles gostam muito de adivinhas...
«não, não, mas somos um país próximo do vosso»
- «Espanha!»
«Quase!Mas não. Ao lado da Espanha»
- «então .... Grécia!» ...
«não, mais à esquerda... temos o melhor jogador de futebol do mundo»
- «ah Christiano... Borrturral!» - E eis que lá está, nada como o futebol para desbloquear conversa.


Ora Portugal para os argelinos é o CR, o Figo, para uns mais informados, o Vasco da Gama, o «pioneiro do capitalismo», e vá-se lá adivinhar: a Linda de Suza.
A Linda de Suza era uma emigrante portuguesa em França que se tornou cantora nos anos 70 com um grande hit em que cantava que abandonara seu país só com uma maleta de cartão. Ora foi preciso ir à Argélia para conhecer mais esta estrela do nosso país.


2 - Certa vez calhou-nos um taxista de uma terra chamada Setif. E aqui faço a transição para um 2º episódio caricato.

Os nomes árabes são algo difíceis de reter por falta de associações ou parecenças com o nosso vocabulário, mas o nome Stif ficou-nos na memória, pois segundo o taxista , na sua terra existia um restaurante chamado: Lisboa.
Algumas semanas mais tarde, tínhamos visitas de Portugal, eu - uma prima minha e o Nuno - a namorada dele, e planeámos fazer uma viagem a Constantine, que é uma cidade de falésias e pontes a 700 km de Argel. Como ficava a caminho, falámos, assim por alto, em lá passar no dito restaurante Lisboa, no regresso, talvez, se tivéssemos tempo.
E maldita foi esta viagem, que correu mal desde o principio. Por sermos novatos nestas andanças, alugámos um carro já meio podre ... lá fomos cinco lá dentro depois de uma semana de trabalho, metermo-nos num trânsito infernal, e com uma chuva torrencial... Passadas 7 horas de viagem, nem 300 km tínhamos percorrido, quando, ao nos aproximarmos de uma das muitas e muito frequentes barreiras de controle de polícia, a direcção do carro se parte, o carro foge do controlo ao nosso condutor e vai bater nas guias da berma. Nisto vem o polícia, a atacar com palavreados árabes, lá se dá conta de sermos estrangeiros e começa a arranhar num francês qualquer coisa de 'grande vitesse' a querer autuar-nos por excesso de velocidade ... ao que saímos todos do carro para nos explicarmos. E nisto, o polícia, ao ver três raparigas a saírem do carro, que escândalo ( 'três mulheres, de cabelo destapado, à noite, na rua'), fica logo todo atrapalhado, manda-nos entrar e seguir viagem. E nós a replicar «Mas nós não conseguimos...a direcção está partida» ... e aí lá se começa ele a irritar. Resumindo lá percebeu que estávamos encalhados, e foi graças a ele e aos colegas que entretanto se juntaram, que se arranjou um reboque e se chamou um taxi para irmos para um hotel marcado sob pressão, na terra mais próxima, imagine-se, chamada Stif.
No Hotel entretanto, embirraram com os nossos passaportes 'especiais' e não nos quiseram fazer check in. Entretanto lembrei-me eu de perguntar ao taxista que nos tinha levado se por acaso conhecia o restaurante Lisboa. E não é que, em 33 milhões de argelinos, ele , o próprio, era genro dos proprietários do dito cujo!? e lá nos desafiou: «Venham daí que os meus sogros também alugam quartos e nem vos pedem documentos»
O sogro era argelino e imaginem só, casado com uma senhora portuguesa, ainda por cima, de Vila Pouca de Aguiar, concelho de Chaves, que é a minha terra!
Lá chegámos nós os desgraçados, cansados, esfomeados, a minha prima com uma gastroenterite, só vomitava, estávamos todos molhados e com frio. E a Da Teresa lá nos recebeu de braços bem abertos no seu restaurante, dando-nos guarida de luxo, com comida, cama, remédios, visita guiada à região ... tudo mais.
Na despedida praticamente não nos cobraram a estadia, dizendo que o dinheiro nada importa quando se pode ajudar alguém em apuros ... e isso muito nos emocionou.
Já sabem, se algum dia a Argélia se abrir ao turismo, ou se lá forem por trabalho, vão a Setif, e ao Lisboa da Dª Teresa e sua família.


E onde come um português, comem logo dois ou três. Ao restaurante Lisboa vieram comer uns portugueses de uma empresa que estava a implantar o sistema GPS em território argelino. Lá travámos mais uns conhecimentos.
Ora empresas portuguesas lá instaladas, são relativamente poucas, pelo que a tendência é combinarmos jantaradas conjuntas e, se houver enchidos ou bacalhau que alguém trouxer da terra, tanto melhor.
3 - Numa dessas ocasiões, tivemos a sorte de conhecer um português que trabalhava no sul da Argélia, desterrado no deserto, em Tamanrasset, e como se aproximava o meu aniversário, organizámo-nos para lhe irmos fazer uma visita.

E foi um aniversário tão louco que nem se pode imaginar.


Lá fomos, 5 portugueses, em duas todo o terreno, para o meio do deserto do Sahara, com dois guias tuaregues que logo se tornaram três. O terceiro tratava-se de um amigo deles, artista músico que andara em tourné pela Europa, a dar concertos com a sua banda, os Terakaft (que quer dizer caravana) , uma banda sobrinha dos Tinariwen , para quem já teve a oportunidade de os ver ao vivo no Festival de Músicas do Mundo, em Sines.


O Sanu, levou guitarra eléctrica e um amplificador a pilhas, que acompanhado com mais uma guitarra clássica e um gerrican a fazer de tambor, nos proporcionaram concertos ao vivo, à volta de uma fogueira, a quebrar o silêncio completo da noite fria no deserto.


E onde não chega a rede de telemóveis, nem as mensagens de parabéns dos amigos e família de um Portugal lá ao longe, vimos o pôr do sol mais impressionante do mundo e dormimos ao relento num hotel de um milhão de estrelas.
Mas mesmo no meio do nada, Portugal não estava assim tão longe, não foi o Cristiano Ronaldo, nem o Figo, que encontrámos ... Foi mesmo o Liedson !


(E a julgar pelo jogo de ontem , o homem ainda continua na sua travessia pelo deserto!)
Esta foto foi tirada já de volta à cidade Tamanrasset, quando fomos convidados por um dos guias a ir jantar a casa da sua família. Só que o jantar típico na Argélia desdobra-se em dois: as mulheres vão para um lado e os homens para outro, cada género, no seu terraço, e em cada grupo todos partilham da mesma malga de couscous.
Enquanto os homens tocavam e dançavam uns com os outros e os meninos portugueses se indagavam do que seria de nós meninas, as mulheres 'mascaravam-me' a mim e à Tânia com mil e um requintes ... mas era apenas um 'mascarar' de diversão para quebrar o gelo entre culturas.


Desde que vim, muitas vezes veio a baila, a pergunta se, durante a minha estadia na Argélia, eu tinha que tapar a cabeça, cara, ombros, como as muçulmanas. E a verdade é que tal só me aconteceu uma vez, nestes 6 meses, e isto para entrar numa mesquita. Se formos a ver bem, o Vaticano também exige o tapar de ombros para entrar numa igreja.
Ser-se estrangeiro é difícil, e com a agravante de ser mulher num país onde as regras religiosas descriminam, ainda mais. Não tive de me vestir como muçulmana, mas também, por outro lado, muitos foram os momentos em que tive de tomar certas precauções para evitar choques/problemas: evitar andar sozinha na rua, especialmente à noite, por exemplo. Não se tratou portanto de uma experiência idílica. Mas foram as precauções que tive de adaptar ao dia-a-diae os pequenos gestos de humanidade que me foram surpreendendo, que fizeram desta uma experiência única e que deram formação de integração num contexto tão estranho. E a verdade é que os argelinos são extremamente hospitaleiros e prestáveis, muito curiosos , o que, ao contrário do que se possa pensar, demonstra uma grande vontade de abertura ao exterior e às diferenças. E fiquei com a sensação de que a nós ,portugueses, nos distinguiam muito positivamente.
E para terminar, deixo-vos com um filme que preparei, convidando-vos a mergulhar nesta amálgama de paisagens e costumes, momentos passados na Argélia.